01/02/10

Segredos da Bica

A Bica é o bairro mais pequeno de Lisboa. Ocupa um beco, cinco travessas, três ruas que fazem fronteira com Santa Catarina, duas calçadas e um largo. Além de pequeno este é também um bairro sem tráfego rodoviário. O facto de ficar num vale “entalado entre os declives de duas das inúmeras colinas da Lisboa ocidental” tornou obrigatórias as escadinhas, que se podem encontrar em várias das suas poucas ruas.

O transporte rei aqui é o elevador, que num vaivém quase ininterrupto, passeia turistas e curiosos. O elevador da Bica atrai turistas, é verdade, mas engana quem pretende conhecer melhor aquela zona. O verdadeiro núcleo da Bica, não é a Rua da Bica de Duarte Belo, mas sim a Calçada da Bica Grande, ou como lhe chamam por ali, as Escadinhas da Bica Grande.

Esta calçada é paralela à rua do elevador, mas esta não é a única rua que o turista desatento se arrisca a perder. A Bica é feita ruas segredo. O ideal será vaguear pela Bica até as desvendar todas, mas para tal é possível que com o entusiasmo ainda entre na casa de alguém e se meta em trabalhos. Para evitar problemas deixamos aqui as indicações:

“O n.º 2 da Calçada da Bica Grande dá acesso a um pátio – o Pátio do Broas -, habitado por bastantes famílias e onde se encontra uma antiga bica a que é atribuída a razão de ser do nome da Calçada.”


“As duas travessas que comunicam com a Calçada da Bica grande, para quem desça pelo lado alto da cidade, são ambas enganadoras: a Travessa do Cabral, que desemboca no alto das Chagas com as suas escadinhas a subirem a perder-se de vista, esconde, mesmo a meio, o topo da referida calçada, a um olhar desatento lançado da Rua da Bica Duarte Belo; e a Travessa da Bica Grande, pequena, escura e apertada num dos recantos do referido largo sugere um beco sem saída pouco apetecível de transpor.


Por seu turno, quem pelo lado de baixo da cidade, se aventure a procurar a Bica e caminhe pela plana e movimentada Rua de S. Paulo, arrisca-se a passar pela “entrada” da calçada sem notar. A sua entrada apenas é um pequeno intervalo numa sucessão ininterrupta de altos edifícios oitocentistas, entrada esta que, devido a uma escuridão acentuada pelo estado de degradação e enegrecimento das fachadas laterais desses mesmos edifícios de frontarias luminosas, e devido ao início de uma encosta íngreme polvilhada de degraus a perder de vista, sugere indubitavelmente um beco (…)”

“A consciência desta porta de entrada, dessa fronteira entre a movimentadíssima Rua de S. Paulo e o início dessa calçada quase privada para uso dos seus habitantes é de tal modo forte que se conta mesmo que dantes havia um portão de ferro que se fechava de noite para só se abrir de manhã, defendendo, assim, os seus habitantes do exterior.”

Cordeiro, Graça Índias. Um Lugar na Cidade: Quotidiano, Memória e Representação no Bairro da Bica
Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1997, pp.76 - 78

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